1-) Primeiro, claro, a pergunta que não quer calar: que motivos o levaram a Londres, nesse momento em que o Trance parece estar despontando novamente no Brasil??
Em primeiro lugar, todo o meu trabalho como produtor e grande parte do meu trabalho como DJ estão centrados no mercado europeu: meu publisher se encontra na Escócia, o meu agente (para bookings na Europa) se encontra em Londres, os selos por onde lanço as minhas faixas, e grande parte do meu networking, se encontram na Europa.
Enfim, tenho muitas coisas acontecendo por aqui e a distância (10.000 Km) começou a pesar muito: esse ano perdi a oportunidade de me apresentar em Ibiza, na Judgement Sundays, e na Goodgreef do Eddie Halliwell , pois não tinha como preencher cada viajem com outras gigs, logo não faria sentido gastar dinheiro em passagens intercontinentais, sem flight share. Tenho muitos projetos em andamento por aqui e a distância passou a ser um grande obstáculo.
O trance está, de fato, despontando no Brasil graças a grandes iniciativas como a do Energy BR (www.energybr.net - maior núcleo do gênero na América do Sul), do Club Nox (em Recife) e a da Melody (agência de DJs e produtora de eventos de Porto Alegre). Temos grandes talentos e profissionais construindo uma cena trance nacional... mas ainda somos um movimento underground. Ainda não temos noites-fixas (semanais), não temos um público significativamente grande (que peça pelos nossos DJs) e ainda existe um longo caminho para que o trance seja “incluido” no cotidiano da cena eletrônica brasileira. Basta olhar para as organizações mais populares da cena (como 3Plus, MKT Pro, Skol Beats, etc.)... cadê o trance nacional?
Afinal bookar Armin van Buuren, Tiësto ou Paul van Dyk pruma festa no Brasil, não é algo que vá agregar valor à cena NACIONAL. É óbvio que esses DJs não são bookados porque tocam trance, e sim por serem os mais populares do mundo.
Enfim, ainda temos um longo caminho a ser percorrido para que a cena trance brasileira, seja incluida no circuito eletrônico nacional... e acredito que ainda estou fazendo a minha parte nisso tudo, mesmo morando em Londres.
2-) Em que essa mudança vai acarretar na sua carreira?
Como disse, agora estou mais próximo de todo o trabalho que comecei em 2006, quando lancei minha primeira faixa (“Tran-4”, que virou hit em Londres, na época). É como morar perto do escritório, sabe? Você tem mais controle sobre o que está acontecendo. O que movimenta o mundo é o conceito de “ação e reação”, por isso é importante estar presente onde as coisas estão acontecendo, para poder interagir com elas.
Mas ainda é cedo pra fazer previsões, afinal eu acabei de chegar e tudo pode acontecer! :)
3-) Você acha que o mercado para quem trabalha com o Trance está melhor aqui no país, ou ainda falta muito?
Infelizmente ainda falta muito, não só para quem trabalha com trance. Vejo muitos artistas/produtores de eventos/organizadores/etc (de todas as cenas), que trabalham com conceito, não terem o espaço merecido.
No começo dessa década, começaram a aparecer monopólios dentro da cena nacional... monopólios que decidiram elitizar a cena, restringindo o público e dizimando a concorrência. O resultado é que hoje o público é muito mais restrito (pois nem todos podem se dar o luxo de pagar 80 R$ pra entrar num club ou festa, né?), e temos poucas empresas com o seu “lugar ao Sol” garantido. Pouco público + pouca concorrência é uma equação que resulta em perda de qualidade. Pra que bookar um bom DJ nacional e mostrar algo novo, se basta colocar o “amigo do amigo do promoter” para tocar?
Precisamos acabar com o elitismo na cena, e dar a oportunidade de ouvir boa música para quem quer ouvir. Se isso acontecer, a cena ganha mais público e existirá mais espaço para os nossos profissionais trabalharem.
4-) Como você vê a tragetória desse estilo no nosso país, comparando com a Europa?
Vamos começar pelo passado, por volta de 1996: o trance era uma das vertentes mais queridas nas primeiras raves do país. Camilo Rocha, Dmitri, Jason Bralli, entre outros foram os primeiros a tocar trance no Brasil. Nessa época o trance ainda estava na sua fase mais underground.
Aí chegou o BOOM do trance na Europa, graças a personalidades como o Ferry Corsten , que levaram o gênero ao mainstream. Nessa época o trance se tornou a vertente mais popular da música eletrônica no mundo... mas atenção: popular é uma coisa, comercial é outra.
Porém, o comercial foi o caminho que o trance tomou no Brasil: aproveitando a deixa européia, gravadoras nacionais começaram a licenciar faixas de grupos de euro dance como Lasgo, Ian van Dahl, DJ Sammy, etc, vendendo-as ao mercado brasileiro, erroneamente, como TRANCE. Foi nessa época, por volta do ano 2000, que o trance morreu no Brasil. Os poucos DJs do gênero abandonaram o barco e a responsabilidade de manter o trance vivo caiu em nossas mãos. Porém todos nós (do Energy BR) estávamos apenas começando. Ainda não tinhamos uma certa reputação na cena, que nos desse a chance de mostrar o nosso trabalho.
Foi bem dificil o começo, ainda lembro que sofriamos para trazer 100 pessoas em nossas festas. Mas continuamos batendo nessa tecla, e em 2006 levamos a nossa festa (State Of Trance) para o super-club Anzu, onde conseguimos reunir mais de 2000 pessoas, sem precisar bookar DJs internacionais.
O futuro...
Acho que o futuro será a mistura, e isso vale para todas as vertentes.
Essa é uma realidade aqui na Europa: DJs estão tendo que misturar diversas vertentes no mesmo set e/ou produções, para agradar o público. Basta olhar para o sucesso do Sander van Doorn , que é um dos melhores exemplos no quesito mistura.
Muitos DJs de trance brasileiros têm a habilidade de misturar vertentes no set... pois foi assim que conseguimos promover o trance, quando ninguém sabia o que era: misturando o nosso som com algo que as pessoas já conheciam.
Por isso acho que o futuro do trance, especialmente no Brasil, será o de se tornar algo eclético e versátil, para agradar a muitos.
5-) Por que você acha que o Psytrance recebeu esse nome? (algumas pessoas chegam a dizer que o Psytrance não tem nenhum elemento do verdadeiro Trance, você concorda com isso?)
O psy trance se chama assim porque ele tem origens no trance.
O trance foi batizado com esse nome, em 1988, graças ao projeto “Dance 2 Trance”, dos alemães DJ Dag e Jam El Mar (esse último também foi parte do histórico duo “Jam & Spoon”). A idéia era criar faixas eletrônicas hipnóticas que fizessem o ouvinte entrar em transe... e o legal de tudo isso, é que não existiam regras, templates ou qualquer tipo de diretriz a serem seguidos para produzir trance.
É claro que, com o tempo, o trance foi evoluindo, se adaptando em cenas diferentes. Enquanto na Europa as pessoas escutavam o som de Age Of Love, Humate, Jam & Spoon, Marmion, Oliver Lieb, etc, na Índia, em Goa, escutavam um som maluco, tocado por hippies através de fitas de rolo, mas que também tinha o mesmo propósito do trance da Europa: fazer as pessoas entrarem em transe.
Logicamente não demorou muito para ele ser batizado de goa trance.
Esses dois gêneros cresceram, evoluiram e se multiplicaram em centenas de sub-vertentes... e, em 20 anos, é normal que eles tenham se afastado um pouco um do outro, né.
O goa trance seguiu o seu caminho e hoje existe psy trance, full on, progressive (psy), morning, dark, etc, etc. Acho que muitos psyeros vão concordar comigo quando eu digo que o psy de hoje tem muito pouco a ver com o goa de 20 anos atrás.
Enquanto isso, o trance (da Europa) também seguiu o seu caminho, e hoje temos uplifting, tech trance, hard trance, hard dance, progressive (trance), etc. Aqui também posso afirmar que o trance de hoje tem muito pouco a ver com o trance daquela época.
Enfim, aí está o porque, dois gêneros como o psy trance e o trance europeu, têm nomes tão parecidos, mesmo não tendo nada ver um com o outro. Mesma origem, caminhos diferentes.
6-) Quais são os seus planos e seus empreendimentos aí na Europa?
Bom, tenho algumas coisas em andamento (no estúdio): em breve vou lançar duas faixas pela Armada (selo do Armin van Buuren) e outra no selo japonês Hellhouse (do DJ Yoji Biomehanika), tenho trabalhado em alguns remixes e tenho trabalhado bastante em novas sonoridades, que estou introduzindo aos poucos nas pistas. A idéia é usar isso como ponto de partida, tanto para fazer o trabalho com o meu publisher andar (23rd Precint), como também para fazer mais festas aparecerem. Me apresentei recentemente na Ministry Of Sound, tive um ótimo feedback e os organizadores demostraram interesse em me trazer de volta, em breve.
Também estou devendo visitas nos estúdios de vários produtores, onde poderei trabalhar em parcerias.
O plano é o de me inserir no circuito para eu poder criar meus próprios projetos, ter minha própria noite ou residência, montar o meu novo estúdio, trabalhar mais próximo dos selos e outros artistas... Enfim, como disse antes, acabei de chegar e ainda tenho que marcar muitas reuniões (ou símples encontros com outros produtores) para poder prever o que vai acontecer.
7-) Algo que seria impossível de realizar por auqi, e que aí voê terá mais gás?
Não acredito no termo “impossível”, mas acredito que certas coisas acontecem com mais naturalidade, no lugar certo e na hora certa.
Eu gostaria muito de ter uma residência, acho que o verdadeiro trabalho de um DJ é aquele de se compromer a fazer o público dançar toda a semana, dando uma continuidade ao seu trabalho. É muito fácil ser um DJ convidado, é só “bombar” a pista com o seu som e, se não funcionar, recorrer aos hits.
Nunca consegui realizar isso no Brasil... o meu agente (para bookings no Brasil), o Marco da Clunk DJs, sempre me falou do quanto é dificil bookar DJs que tocam “acelerado” (acima de 130 BPM) nos clubs brasileiros.
O trance, no Brasil, ainda está recrutando e dotrinando o seu público, que cresceu muito de 2002 pra cá. Porém ainda precisamos de mais pessoas que acompanhem e sejam fans dos DJs nacionais, que saiam de casa para vê-los tocarem, que sejam capazes de colocá-los no mesmo patamar dos internacionais.
segunda-feira, 29 de setembro de 2008
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Um comentário:
Excelente entrevista!!! Estão todos de parabéns!
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