
Wagner Lacerda tem 28 anos, frequenta raves de trance há 11 e deu essa entrevista maravilhosa para uma matéria do Pyte, que merece ser publicada aqui, na íntegra.
Confira:
1-) Frequenta festas há quanto tempo? Como eram as primeiras festinhas de trance comparadas com as de hoje? Quais foram as principais mudanças, positivas e negativas (se houverem, é claro)?
R:Frequento festas a 11 anos, minha primeira experiencia com festas raves foi em 1996, ja em 1997 fui em minha 1ª festa trance , uma festa chamada Groove Babylon. Naquela época, tudo era experimental, e sem intenção comercial, eram feitas por grupo de amigos, e divulgadas mais na base do boca-a-boca, ou quando se faziam flyers eram bem poucos, o pessoal que as frequentavam na época, vinha da velha guarda do techno, ou seja , ja frequentavam clubs como Nation, Sound Factory, Hell`s Club, Latino, Rose Bom Bom etc, já tinham uma certa intimidade com musica eletronica, e muitos deles tinham morado fora, e viram o quão eufóricas eram as festas em outros países ( principalmente na Inglaterra ), então passaram a trazer discos, e idéias para organizar festas por aqui, um pouco diferente do que ocorre hoje, as pessoas não se preocupam em buscar informação sobre o que realmente ocorre neste meio, que é vastíssimo em cultura, é um clima menos intimista com a musica eletronica ( sua história e cultura ) , as pessoas estão mais condicionadas a apenas participar de "mais uma festa". Porém , por outro lado, as festas se popularizaram, se profissionalizaram, e movimentam milhões de reais todos os anos, esse é o lado bom, pq temos uma gama de opções , 10, 15 festas por fim de semana , diferente das minguadas 1 ou 2 festas por mês que ocorriam no passado.
2-) Você lembra quem começou a organizar as primeiras festas de trance? Esse pessoal ainda faz festas? O que você acha disso? Melhoraram e pioraram em que aspectos?
R: A 1ª festa trance foi organizada pelo Dj grego Pan Panderson que organizou uma festa em Trancoso ( BA ) no reveillon de 1994, paralelamente aqui em São paulo, o Dj André Meyer organizou junto a alguns amigos as primeiras festas por aqui, trazendo já uma vasta bagagem de suas viagens ao exterior, esta festa se chamava Naga Haga e foi em um sítio na cidade paulista de Atibaia ( 45 min de São Paulo ), reuniu algumas centenas de pessoas, com entrada a 5 reais. Temos tbm outros precursores da cena brasileira, como o Dj Dmitri, depois de anos morando na Europa, Dmitri passou a produzir festas por aqui em meados de 95 e em 96 encabeçou seu projeto de raves chamado Avonts, que organizava festas ao redor de São Paulo e tbm em um lugar clássico no litoral , chamado Praia do Éden no Guarujá. Não podemos nos esquecer de festas como Mothership Connection, projetada pelo Dj Tin Tin( que produziu a 1ª festa com lona de circo do Brasil ), as festas Groove Babylon que tinham Djs como o francês Ujjain, D.John, Ale A. e Ricardo N.S., o núcleo de festas W.T.F. ( World Trance Family ) que trouxe os primeiros grandes artístas internacionais para tocar no Brasil e a própria Xxxperience, que iniciou suas atividades no mesmo período. Muitos destes não produzem mais festas e outros nem tocam mais, já alguns mudaram seus estilos de som e preferem tocar mais em clubs, mas sem dúvida nenhuma devemos tudo (ou boa parte ) do que temos hoje , a esse pessoal que acreditaram em um novo tipo de diversão por aqui e que hoje arrasta milhões todos finais de semana em uma verdadeira peregrinação.
3-) O que mais te decepcionou/decepciona na cena? E o que mais te surpreende positivamente?
R: Na verdade oque mais me chama a atenção de inusitado na cena hoje é a capacidade de mutação das pessoas, em gostar de uma coisa num momento e em outro gostar de algo totalmente diferente, na época, quem gostava de musica eletronica se engajava em conhecer oque se gostava, a forma de se saber a respeito eram os "Zinnes", ( forma de divulgação de uma idéia impressa em papéis xerocados ) como por exemplo o Zinne D.M.T ( Underground techno fanzine ) que divulgava sobre e-music, e o The Jornal, que flertava pelos mesmos caminhos, tinha tbm o Subscience ( que era distribuido nas lojas Zapping ). Vê ? era uma forma arcaica e primitiva, mas que tinha uma eficacia enorme em transmitir conhecimentos, porém hj em dia se tem uma leva enorme de informação, como a internet, no entanto as pessoas não se preocupam em busca-la, e ela está alí, esperando para ser digerida, com a maior facilidade, ao invés de se tratar de assuntos como: "O futuro da musica eltronica no Brasil", selos, gravadoras, produtores etc, vemos em muitos foruns de discussão ( como o Orkut por exemplo ) as pessoas se preocupando em dizer se beija ou não a pessoa acima ! lamentável, porém ainda temos os que tem a musica eletronica como cultura, e acreditam que com ela ainda podemos mudar o mundo, creio que que isso faz bem ao underground, pois em quanto se tem a "massa", ainda temos quem acredita no potencial subversivo e transformatório que a trance music tem a nos proporcionar.
4-) Na sua opinião a tecnologia ajuda ou atrapalha os djs?
R: Estamos na era dos samplings, mesas digitais, qualquer um faz musica eletronica hoje em dia usando um programa baixado da internet. O rock viveu 30 anos produzindo o mesmo ritmo, 30 anos se sujeitando a Chuck Berry, naum gosto que as pessoas falem do movimento trance como se voltoasse aos anos 60, já que os hippies rejeitavam a tecnologia, porém utilizavam instrumentos eletricos, Absurdo ! As pessoas hoje tem com muito mais clareza a importancia da tecnologia na musica hoje do que a anos atras,impossivel se fazer musica sem tecnologia, uma coisa é analoga a outra. A história da trance music se projetou paralela ao avanço tecnologico, nos anos 80 em Goa na India se tocava com vinyl, mas devido a poera que tinha no local, os djs foram obrigados a tocar com fitas D.A.T. ( Digital Audio Tape ), que era um avanço tecnologico mas que eram obrigados a utiliza-lo. Hoje se fala em "Final Scratch", daqui a alguns anos só Deus sabe, porém a tecnologia esta aí para o beneficio da humanidade. E vamos saber usa-la, fazendo boa musica galera !
5-) O que nós trazemos até hoje da cena underground das primeiras festas?
R: O espírito, tribal, ancestral de confraternização e a aceitação mútua, é como antes de se entrar em um templo, o qual tem que se tirar os sapatos, quando se entra em um dancefloor, deixa-se a arrogancia, a soberba a superioridade de fora. Essa é a essencia e dela nada se altera.
6-) Na sua opinião onde pecam as cenas mainstreams, comerciais? O que aprendemos e onde continuamos a errar?
R: Acho que peca na massificação demasiada da coisa, exposição de mais gera o caos e mais uma enxurrada de problemas e preconceitos, como vemos na TV, alegando que rave é lugar de drogados e mais um monte de coisas. Também acho que as festas grandes deveriam ter um cunho mais beneficiente e de ajuda social, como é o caso da Earthdance, ela nos ensina como tirar proveito de uma festa que hoje pertence ao mainstream e que é realizada em diversos países do mundo, mas que serve de ajuda a milhões de pessoas. Pecamos ainda em não tirar proveito disso, já que no Brasil há milhões de pessoas passando frio e fome.
7-) Você considera o aumento de público nas festas de psy positivo ou prejudicial para a cena? em que aspectos? Você gosta dessa popularização?
R:Tudo que é de mais acaba perdendo um pouco da razão existencial e perdendo um pouco o brilho, mas é o rumo natural das coisas, não podemos ser detentores da razão e de que sempre o underground tem que prevalecer, já que o objetivo é agregar pessoas, que o façam, mas com responsabiliade e que as pessoas se engagem mais na informação que é primordial para a subsistencia da cena. E deixemos os modismos de lado, os jargões esdrúxulose outras bobeiras.
8-) Você acha que hoje há monopólios ou domínios de mercado no trance? Isso é ruim ou bom para a cena, na sua opinião? Dê exemplos que venham à sua mente.
R: Não acho que há monopólio, até pq tem mercado para todos, temos um exemplo do que aconteceu em meados dos anos 90 no Brasil, em que o mercado fonográfico estava a espreita de algo novo, e que trouxe uma cara novo a musica brasileira, foi então que resolveram investir na musica eletronica e de lá para cá, quantos selos e gravadoras surgiram, quantos projetos de musica eletronica sairam do pape´l? É assim que um episódio, muitas vezes visto como monopolizado, dá espaço a outros que como ele, começou pequeno, mas foi se espandindo tomando igual espaço ou até maior que o seu concorrente. Hoje temos grandes festas e grandes selosinternacionais com um Cast fenomenal e com varios artistas brasileiros, vemos festas como o Voov na Alemanha, o Fullmoon, o Shambala no Canadá , o Solstice no Japão entre outros, sempre com artistas do Brasil, representando muito bem nosso país , há espaço para todos porém só os bons sobrevivem.
9-) Deixo essa questão em aberto apra suas considerações finais, ou o que mais julgar importante comentar.
R: Quando pintamos os cabelos, furamos os mamilos, fazemos uma tatuagem, escutamos musica rpetitiva e estridente, buscamos a deferenciação, a identidade, a individualidade ( que nada tem haver com individualismo )buscamos ser diferentes, mais bonitos dentro do nosso codigo particular de beleza. Só que o mais importante disso tudo é sermos nós mesmos, dando valor a vida em toda sua forma, aprendermos a endeusar a natureza na sua forma mais pura, dar valor ao que ela nos proporciona, entrar em contato com ela atravez da musica e do transe que ela nos proporciona,respeitarmos como irmãos, abraçarmos e dar valor as amizades. Deixemos morrer tudo, menos estes valores que retratam fielmente o objetivo das Raves e das festas trance em geral ! Peace for all !