domingo, 26 de abril de 2009

Depoimento Murilo Battisti


Murilo Battisti é psicólogo, conselheiro do Conselho Nacional Antidrogas (Conad) e pesquisador pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), por onde também é mestre e doutor. É especialista em drogas sintéticas, em especial o ecstasy.

Para compor a matéria sobre proibição das raves que escrevi, entrevistei-o, e listo abaixo os principais momentos do seu depoimento.


Boa leitura!



"Sou contra proibição de raves. Entendo que a proibição, para combater o uso de drogas, em particular o uso de ecstasy, é uma solução simples e fácil, mas que não resolve o problema.


A questão vai além de ser certo ou errado proibir, mas, a questão é que não funciona!
Já foi feito na Inglaterra, na década de 90, e é um exemplo claro de política pública que não da certo.


Na prática o que acontece são dois cenários: O primeiro é a migração do consumo para outros ambientes... da rave para casas noturnas, ou micaretas.
O segundo é sofisticar, mudar de nome, e continuar existindo, com o ecstasy.
Outro ainda, seriam cenários clandestinos.
Ou seja, seria péssimo.


Entendo que deveríamos regulamentar as raves, o que não significa criar obstáculos para que ela exista. Sentar na mesa com organizadores, profissionalizar o segmento, exigir da rave, infra-estrutura, segurança, saúde, e uma postura mais preventiva.
Na Europa, quando você senta com os organizadores de raves para discutir isso, eles têm se mostrado extremamente colaboradores, ou seja, a postura preventiva, tem que partir de dentro para fora, da própria organização do movimento, da cena eletrônica.
O conceito precisa ser o seguinte: Aqui é lugar para quem quer se divertir, dançar. Quem quer usar droga, vai para outro lugar, não é aqui. Tudo isso para profissionalizar mesmo o segmento.

Muita gente depende desse filão... o DJ, o garçom, os organizadores, os promoters, os decoradores, etc. Eles vivem disso.
Chegou a hora de criar condições para que a festa ocorra, pensando na promoção de saúde, que tenha infra-estrutura, segurança e prevenção contra drogas. De maneira alguma proibir raves....

Em Santa Catarina as raves foram proibidas sob a alegação de coibir a violência, as brigas... Minha suspeita é que fazendo isso, você moraliza a cena eletrônica.

Os dados brasileiros sobre uso de drogas ainda estão em construção, então não tem como afirmar se o uso em Floripa aumentou ou diminuiu, são dados indireto, ou seja, a partir da apreensão das drogas... a informação q eu tenho é que aumentou.

No Brasil, no ano de 2007 para 2008, as apreensões de ecstasy no Brasil aumentaram 1700%
A rave tem participação, pois a proposta é um convite para uma experiência sensorial... tem a iluminação, a musica, cheiros diferentes... é um convite a uma experiência sensorial... e é nesse convite que o uso de drogas entra... paralelo a tudo isso, existe uma postura química muito intensa: Em que momento o jovem parou e descobriu que pode se divertir mais com aquela química? Olha para o comprimido e acha que pode dançar e curtir mais com o uso dele... é uma mentalidade química...
Paralelo a tudo isso, existe uma postura química, que é a da nossa sociedade...

O desafio é grande, não tem solução fácil, simples...
A solução passa possivelmente pelo respeito à diversidade, ou seja, focar em prevenção, em redução de danos, tratamentos, e sentar na mesa para conversar sobre esse tema, e isso é para agora... não podemos proibir as raves achando q ela vai sumir do mapa... é uma visão até ingênua.

A cena eletrônica é um movimento jovem de repercussão global, é um movimento que é ao mesmo tempo protesto, e reflexo do mundo de hoje, é protesto pois trás uma série de mensagens, propondo mudanças:
- Vivemos num mundo com violência urbana, com guerras, como as no Iraque, Afeganistão, e a cena eletrônica propõe o pacifismo, é a turma do deixa disso.
- A cena propõe uma atmosfera de inclusão, num mundo extremamente excludente, no entanto ela também é reflexo do mundo de hoje, na medida em que ela propõe um estilo de vida mais tecnológico, com uma musica eletrônica, com a presença de computador. É uma música regida pela VELOCIDADE, o nosso músico é regido pela velocidade, é rápido e ágil. E o nosso mundo também está cada vez mais veloz, regido pela velocidade.
Finalmente, a cena trás uma série de modismos, roupas, tatuagens, estilos de cabelos, penteados, e isso nada mais é do que uma dinâmica de uma sociedade de consumo, ou seja, a cena eletrônica é um protesto e é um reflexo do mundo de hoje...

Há muitos tipos de raves. Na média, a visibilidade no uso de drogas é grande, mas não há números, não tem estudos científicos para isso.
A relação entre raves e drogas é real, não da para tampar os olhos. Mas ao invés de fazer juízo moral, devemos levar em conta as evidências daquilo que funciona, que vamos conseguir resolver o problema.

Na época que o rock nasceu havia juízo moral, um evento que alguns falavam que eram coisas do demônio. O rock naquele momento nasceu como uma forma de protesto... essa historia então não é nova.. isso tudo já aconteceu historicamente, temos que parar e olhar os caminhos que foram seguidos...

E proibir raves não da certo, essa caminho já foi trilhado e é um fracasso.
Sem nenhum rodeio sou contra a proibição de raves, e deixar como está também é prejudicial. Então tem que encontrar outra solução, regularizar, priorizando a promoção de saúde."

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